domingo, 17 de janeiro de 2021

réquiem

O tanto que o tempo me tirou ou que deixei passar. A vida foi endurecendo os caminhos cada vez mais. Na verdade, quando a rotina era até mais exaustiva do que é hoje, conseguia melhor me situar e expandir meu fôlego mais facilmente com as narrativas que desenhava na cabeça. 
Não sei ao certo o que se perdeu no caminho. Esperança, ânimo, querer. Com tantos flashes que a loucura dos dias atuais me traz, as únicas fantasias que consigo (re)criar para encontrar ternura ou até mesmo a fúria necessária pra mudar são episódios do passado. Parece atrasado reacessar essas memórias, mas elas também me fazem compreender melhor o agora. 
Eu me peguei pensando na moça das geléias vermelhas, as geléias de morango. Um dia desses, enquanto olhava pra cara do meu cachorro, e por uma estranheza da melhor, senti o mesmo cheiro nele que sentia quando visitava a casa dos cachorros e dessa moça da geléia no litoral. Agora os pêlos esbranquiçados que os anos de vida trouxeram pro visual desse cão me relembram a velhice dos cãezinhos daquela casa, e pensar que ontem mesmo eu via ele e os irmãos saltitarem pela pracinha das bandeiras comendo um pacote de bala macia que a moça lhes trouxera. 
Mas a geléia. Os cafés. Até mesmo a dificuldade que circulava pela casa nas vivências diárias, tudo me traz uma sensação que tem cheiro, som e sabor. Tudo era mais flúido apesar de tantas dificuldades a mais, até o baseado que fazia as horas descia leve. Nem isso eu consigo mais. 
Eu queria saber dela. Tinham brinquedos de madeira coloridos e um sorriso que vinha com doçura e apelo de uma vida cansativa. Como todos ao longo dos tempos, já fui muitas, a questão é que a vida foi um atropelo e não consegui de fato curtir nenhuma das fases com total imersão. Muitas vezes, por justamente viver na loucura dos flashes entre futuro e passado, eu magoei muita gente. 
Eu já não sei mais pra onde ir, e por mais que eu tente exercitar a capacidade de viajar pra outrora retomando lembranças, por alguma razão, tudo são blocos fragmentados, não existem recordações totalmente completas.

Eu não sei se são os astros ou a porra dos sentimentos já gastos, mas eu ando me perdendo muito nesses lastros de uma que já não existe mais.

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