domingo, 17 de janeiro de 2021

BABA

tilintar, 
                é linha tanta
desarrumar,
               é tanta linha
Despir?
              a lente tira,
                  alinha, espia, 
é tanto, arrepia

Percorre
               linha e curva
arrebenta
                                                               arrebata o limite
delimita percurso
curva a arrebentação

Escorre,
                  sugere a trilha
que a língua molhada
descobre
                é tanto,
chovia
pra pingar de saliva
o laço da costura de 
pêlos.

Você já ouviu
corpo quando pega rumo 
de entrega?
- ele sussurra, suspira,
geme, treme, trepa -.

pinga e rasga

desabafo
escorre
que nem aguardente
desce queimando o bloqueio de se pensar no
presente

sem possibilidades, as vias fechadas - sem a corrente
do rio que leva
no balanço e te limpa o corpo-raiz.

você tenta cessar e parece exercer um
movimento contra-corrente. /o ciclo tem seu 
próprio tempo e querer/ 

desespero,
canela temperada no barril de cana 
aquece e alerta teu útero que grita 
libera as vias da tua maresia que precisa jorrar 

que caminho percorrem as águas do
diálogo? quanto viaja a cana que te faz delirar? 

...no ciclo de 19 desciam
palavras vermelhas pedindo atenção

uma gota 
já é o suficiente pra fazer
o ador
se expandir na boca.

réquiem

O tanto que o tempo me tirou ou que deixei passar. A vida foi endurecendo os caminhos cada vez mais. Na verdade, quando a rotina era até mais exaustiva do que é hoje, conseguia melhor me situar e expandir meu fôlego mais facilmente com as narrativas que desenhava na cabeça. 
Não sei ao certo o que se perdeu no caminho. Esperança, ânimo, querer. Com tantos flashes que a loucura dos dias atuais me traz, as únicas fantasias que consigo (re)criar para encontrar ternura ou até mesmo a fúria necessária pra mudar são episódios do passado. Parece atrasado reacessar essas memórias, mas elas também me fazem compreender melhor o agora. 
Eu me peguei pensando na moça das geléias vermelhas, as geléias de morango. Um dia desses, enquanto olhava pra cara do meu cachorro, e por uma estranheza da melhor, senti o mesmo cheiro nele que sentia quando visitava a casa dos cachorros e dessa moça da geléia no litoral. Agora os pêlos esbranquiçados que os anos de vida trouxeram pro visual desse cão me relembram a velhice dos cãezinhos daquela casa, e pensar que ontem mesmo eu via ele e os irmãos saltitarem pela pracinha das bandeiras comendo um pacote de bala macia que a moça lhes trouxera. 
Mas a geléia. Os cafés. Até mesmo a dificuldade que circulava pela casa nas vivências diárias, tudo me traz uma sensação que tem cheiro, som e sabor. Tudo era mais flúido apesar de tantas dificuldades a mais, até o baseado que fazia as horas descia leve. Nem isso eu consigo mais. 
Eu queria saber dela. Tinham brinquedos de madeira coloridos e um sorriso que vinha com doçura e apelo de uma vida cansativa. Como todos ao longo dos tempos, já fui muitas, a questão é que a vida foi um atropelo e não consegui de fato curtir nenhuma das fases com total imersão. Muitas vezes, por justamente viver na loucura dos flashes entre futuro e passado, eu magoei muita gente. 
Eu já não sei mais pra onde ir, e por mais que eu tente exercitar a capacidade de viajar pra outrora retomando lembranças, por alguma razão, tudo são blocos fragmentados, não existem recordações totalmente completas.

Eu não sei se são os astros ou a porra dos sentimentos já gastos, mas eu ando me perdendo muito nesses lastros de uma que já não existe mais.