quarta-feira, 20 de março de 2013

Um rasgar de consciência, ou o recuperar dela


Marrom e dilacerante: teu olhar, na reta de minha direção.
Teu cabelo negro com faíscas claras. Um sorriso de canto numa boca que grita por presença. Um súbito controlar de arrepiar as angústias. Quem sabe provar desse olhar, fazer parte desse marrom dilacerante e misturá-lo ao azul acinzentado que anda perdendo a cor para descobrir um possível resultado. Um resultado mental que renove horas, renove ares. Provar desse beijo, torná-lo um só, contínuo e sem fim. Fechar os olhos talvez marrons ou azuis e esquecer do tempo, deixar sumir a sirene da ambulância da rua seguinte, o neném chorando no apartamento da frente e o gato miando num cômodo diferente. Tornar os dedos de minha mão parte de teu cabelo, puxá-lo pra mim, torná-lo mais ainda fios, pedaços companheiros de meus dedos. Sentir um sorriso num beijo, o sorriso na sensação dilacerante trocada e compartilhada por esse beijo. Esquecer o controle do dinheiro no bolso, esquecer o controle de quantos comprimidos devo tomar para a alergia ao gato. Deixar as angústias se liberarem e tornarem-se pulsares que não cessam. Esquecer da hora, acabar com a demora de antes pra poder ver-te de olhos fechados.
Os olhos fechados que deixaram escapar a lágrima vinda de um deles. Quem sabe se do azul ou do marrom? A lágrima do alívio! Você está contida nela.
Beijar-te. No beijo: esquecer que vivo. Deixar uma luz passar a existir. Entender que existo, enfim.
Marrom. Gritante e silencioso. Um olhar teu. Que me chamou no breu dos caminhos.
Essa foi você. 
Essa seria...
Fomos nós; e nosso primeiro beijo. Quem sabe o único de um início torto.
E o ventilador continua a rodar, interminável, assim como o copo de refrigerante que deixei ainda cheio em cima da pia da cozinha. Mudei de cômodo e fui resgatar minha outra metade que tinha se extinguido de mim para dentro de você, e, ao invés de traze-la de volta, preferi então, misturá-la a tua metade e nos tornar inteiras, intactas.

sábado, 2 de março de 2013

Spoiling the surprise


Eu te adiei a cada dia. Te adiei por medo de que a pressa levasse junto à ela, a calma e a delícia  que é ter tudo devagar. Eu te adiava e odiava tudo o que não envolvia  teu jeito sacana de ser. 
Teu jeito peculiar de ser me puxava cada dia pra mais perto de ser alguém pra ti e a querer então, me juntar e formar um par contigo. 
Eu te dei seu lugar aqui dentro. Eu te mostrei o que falar sobre mim e sobre nós. Eu desatei seus nós que eu mesma enroscava. Eu te dei silêncio; um silêncio de breu, silêncio de angústia, silêncio de singular e me juntei nesse silêncio e o fiz plural. Te curava os males que eu mesma lhe causava. Morde e assopra.
Ensinei-lhe a reconhecer os sons, e do silêncio retirávamos: o vento, a ofegância de nossas próprias respirações. Dessas respirações lhe causei gemidos, inconstâncias e permiti que me fizesses constante no teu futuro.
No presente não, de presente eu não podia me doar. Nem se quer minha, fui. Não fui do mundo, não fui da razão, da consciência. Meus anseios foram seus, e os devaneios já não sabiam mais seguir um caminho diferente também. Minha mente poderia estar em trânsito, mas o corpo estava livre pra que você fizesse sua caminhada por cada beco, rua, imensidão de mim. 
 Eu te adiei a cada dia, pois se me precipitasse, mais cedo seria sua ida. Eu sempre soube que tipo de pessoa serias, que partirias por medo, que o teu apavoro lhe levaria pro que você mesma nunca quis. Eu lhe adiei para ter tempo de construir planos pra te envolver em mim, porém, quase sempre me esquecia de amarrar os laços e ao invés, te aprendia por inteira. E restávamos nós, tão semelhantes mas incoerentes. Aprendia teu calor, tua temperatura, teu discurso sobre como você preferia teus gatos em sinfonia interminável na madrugada do que ao breu irreconhecível e identificável dia e noite.
Nunca quis adiar tua presença. No entanto, tua constância foi criando galhos e raízes nas minhas folhas incolores.

Adiei tua presença porque quando se adia, o fim não vem de manhã.
Te dei permissão para que me descobrisse, e o que fizeste foi encobrir minha presença.
Hoje, de poucas coisas que noto ao meu redor, percebo: você sempre soube seu lugar. Num ponto identificável - pois fim nunca houve, sequer começo -, quem aprendeu tanto sobre ti e supostamente nós fui eu, mas esqueci tudo sobre mim mesma ao longo do caminho.
Sempre gostei de coisas mais simples: por que deve ter começo? Por que, então, há de ter fim? 
A simplicidade por fim nos fugiu com seu sumiço.
Já não sei mais responder à meus próprios questionamentos, mas minha mente pede, suplica pelo definitivo. Darei partida nessa ida minha, que começa agora, e não há de cessar.
Não precisa mais voltar, pois não era necessário nem que tivesses ido. 
Você sempre soube muito bem como permanecer, assim como aprendeu à desaparecer por entre as expectativas.