domingo, 31 de julho de 2011

Jardim, Jardins. Eu, elas, talvez nós. E faltou arrancar o singular oculto disso tudo.

          "Ei, guria, linda linda linda. E que feches a torneira ao lavares a louça, bem aí. Muita água está a ser desperdiçada." ela dizia. E bem que me recordo, dizia quase como que em um canto. Daqueles que até não existem, pois este seria único, e só existiria por calculados quatorze meses. Daqueles que soltam junto ás palavras presentes, o doce aroma de morangos. Frescos morangos vivos vermelhos plantados em jardins bem cuidados e regados e amados e seja o que mais for desejado. E como era extraordinário observar. Observar o quão preocupada Luísa era. Preocupada com o mundo. Comigo, consigo, conosco. E te acalma, sentimento. Tu mesmo aqui no peito. Sabemos que nada permanece intacto. Deixo subentendido, logo então - sabemos que tudo muda. Jardim enche, empesta de erva daninha se não cuidares bem - e deixe-me assim, querendo, tentando, quase conseguindo ser sincera: Não cuidei. Luísa e eu não cuidamos do nosso jardim. Não-cui-da-mos. Ah, que pena pena pena. Uma pena, ou talvez até duas. Ah, grande pena. Inesquecível, irremediável pena. E saudade, o que naturalmente se tornou. Mas assim que é, enfim. Pena e pena e pena. E fim. Foi-se, fomos. Eu de cá, tu de lá. Acabou-se, acabamos. Eu de cá, tu de lá. 
         E passou tempo, viu, e passou. Uns dois ou três anos. Setecentos e quarenta e seis dias - tenho contado. E quantas Anas, Carolinas, Joanas, Laíses, Ingridis, Claras ou Elisas vieram? Caralho, quantas, não? E como foram significantes, logo suponho! Não. E como foram insignificantes (duas a menos, com a letra C iniciando ambos os nomes) logo concluo! Ah, Clara e Carolina. Doces, frutificadas. E foi bem assim: Com Clara foi intenso, ah se foi. Porém, durou dois meses e umas muitas horas a mais. Sessenta e quatro dias. E não dobro a língua ao dizer: foi único, mesmo. 
         Tardes e tardes rentes uma à outra. Olho no olho, boca na boca, corpo no corpo. De fundo, o barulho de incontáveis carros que pela avenida passavam, soltando fumaça e tudo mais de ruim - poluindo tudo. Também misturado às tardes, Rogério Extraordinário Flausino, vocalista da Jota Quest (Banda esta que marcou nossos sessenta e quatro dias juntas) cantava e cantava, posso brincar de descobrir desenho em nuvens posso contar meu pesadelos e até minhas coisas fúteis posso tirar a tua roupa posso fazer o que eu quiser posso perder o juízo, mas com você eu to tranquilo tranquilo. Estive tranquila. Até Clara e seu demasiado maravilhoso dom de saber ensinar a esquecer transformar-se em apenas uma-merda-de-dom-de-apenas-esquecer. E isso foi tudo por uma morena estranha (cujo nome não me recordo) aparecer. E foram alianças recém-compradas jogadas fora, e um possível pedido de compromisso sério carregado ao lixo junto à elas. Logo após, surtei. Confesso, esqueci do nosso jardim. Fazer o que, lá só haviam rosas e rosas, nunca gostei delas, e aquele monte de grama mal aparada? Nananinanão. Não deu, realmente, não deu. Nunca soube o que fazer, mesmo. E nenhum ser me ajudou a fazer mais do que lembrar de fechar uma torneira. Afinal será que amar é mesmo tudo. E não dobro a língua ao dizer: Transformei os sessenta e quatro e Clara em nada. Era meu modo de driblar emoções agudas quando perdidas.
         Dos setecentos e quarenta e seis, chego aqui ao segundo capítulo. Carolina. Foram cinco meses a mais do que com Clara. Duzentos e dezoito dias no total. Até que durou. Foi um daqueles - considero eu - nada típicos relacionamentos conturbados. Foi bom. Carolina era generosa até demais. Contudo, era quase forte, quase crescida, mas nada madura. Ela me encontrou eu tava por aí num estado emocional tão ruim. Me sentindo muito mal tanananan, perdido, sozinho errando de bar em bar*. Foi e era pra ser. Foi minha e era pra ser minha. Carol possuía aquele Q (de qualidade) especial. Tinha o real dom de ensinar a esquecer. Me ensinou a. Agradeci. Me envolvi. E até que cheguei a me apaixonar. Éramos indescutíveis fãs da noite. Muitas destas, em diversas ocasiões, me encontrava ao seu lado, repetindo ao pé de seus branquelos ouvidos: Hey, hey...Sweet Caroline, good times never seemed so good**. E era realmente doce, doce, doce. Tanto que como um vício, me tornei fraca ao ponto de ser definida como viciada nela.
        Mas também, por vezes, era daquele jeito nada bom. Quantas e quantas desavenças, quanto ciúme, quantos erros. Eu fantasiando de cá que a guria havia de amadurecer. Ela fantasiando de lá que minha atenção era pouca - 24 horas por dia ainda não eram o suficiente. Nosso jardim era bem como devia. Minhas flores prediletas: lírios e mais lírios. Girassóis e mais girassóis. E nele haviam apenas animais minúsculos e com uma certa liberdade gigantesca; pássaros, borboletas. E foi aí que fodemos com tudo: já não havia mais liberdade entre nós. Só eu cuidava da porra do jardim. Era mato demais para um só ser tomar conta e manter nos trinques. Empestou também, erva daninha daninha daninha. Me doeu. Nossos duzentos e dezoito dias e noites foram úteis, yes. Únicos também, e com todos os Us bons que fossem possíveis serem doados. Ás vezes acontece de me vir a lembrança de que até chego a dobrar a língua ao dizer que não esqueci, que não deixei passar, que fui fraca pela segunda vez, pois devia ter provocado justamente o contrário, que havia de ter o tornado inútil, não único, puf, nem um pouco único. Que deveria ter esquecido cada migalha (ou seja talvez melhor dizer gota) de algo que foi tão duzentas e dezoito vezes complicado. Então pude realmente dizer, ah, que pena pena pena. Que dor, que tudo, que nada.
        E neste local do texto, se encontra o terceiro e último capítulo deste monte de dádiva conturbada. Carolina me ensinou tanto tanto a esquecer, que me encontrei um tempo esquecida de tudo, principalmente ou com certeza, de mim. Quase que me fiz perguntas como Que dia é hoje ou Que mês é este, e até Onde está a chave do carro. Me sobraram quatrocentos e sessenta e quatro dias assim; na merda, só. Esquecida. E o que é triplamente pior: por opção. Onde estaria Luísa para arrancar esta porra de inadiável saudade das veias e órgão conhecido como coração presente aqui no peito ou, quem sabe, talvez, para arrancar a erva daninha do jardim que nunca possuiu um nós, pois foi sempre um Eu, solitário e singular.
       Me sento no sofá logo após de lavar a pilha de louça antes acumulada, acendo um cigarro, torno a escrever. No rádio, Los Hermanos e aquela Adeus você eu hoje vou pro lado de lá eu to levando tudo de mim tocando. E não por esquecer, talvez inesperadamente e por desinteresse, a torneira da cozinha permanece entreaberta, deixando escapar em cada gota, quantidade por quantidade de água que poderia ser usada por aí para regar muitos e muitos jardins.


Texto inspirado em contos presentes no livro Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu, e em algumas decepções.